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quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O Rol dos Esquecidos: A Violência Contra os Guardiões

O Rol dos Esquecidos: A Violência Contra os Guardiões

Sobre a violência cometida contra policiais, a insegurança e as águas escarlates do Rio Grande de Morte

Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas
(Publicado em parceria com Cezar Alves via Jornal De Fato/Retratos do Oeste)

A Violência Que Poucos Percebem

A violência é uma das formas mais eficazes de fazer uma sociedade retornar ao primitivismo, e consequentemente, sem necessidade de grandes esforços, destruir as futuras gerações. O meio para evitar a proliferação da violência foi conter o ímpeto do homem, e dentro da filosofia do inglês Thomas Hobbes que afirmou que o “Homem é o lobo do Homem”, esse ímpeto de guerra deveria ser freado através de um contrato, onde as partes pactuadas buscariam impedir que o homem voltasse à barbárie.
Para o sucesso desse pacto então foi criada a figura do guardião, aquele ser humano que estaria entre as partes pactuantes, o Estado e o povo, encarregado de aplicar as leis inclusive contra aqueles que os colocaram na posição de guardas. Conforme a doutrina utilizada para sua formação, os guardiões podem ser bem ou mal empregados a serviço daquela sociedade que devem defender.
Contudo, eles são seres humanos, como os pactuantes, e como cidadãos vivem diariamente em conflito entre serem guardião e serem aqueles do povo que demandam do Estado outros serviços em outras esferas do acordo.
No Brasil, e mais especificamente no Rio Grande do Norte, a pesquisa de vitimização ocorrida entre os agentes da lei, tem refletido a falta de interesse do Governo em investir em segurança pública, partindo da valorização dos profissionais do setor e chegando à população.
São casos de violência que poucos percebem, pois somente a situação inversa, aquela onde os policiais cometem erros e agem com arbitrariedade vende manchetes de jornais e dá a sociedade um grupo para ser culpado pelos erros que, na maioria das vezes, é dos gestores e nos detentores do poder executivo que somente pensam nos policiais como objetos descartáveis de propulsão da máquina coercitiva do Estado.

Os Índices da Violência Invisível

A violência que quase ninguém percebe e que o Estado não dá a devida importância provoca a invisibilidade dos problemas que ocorrem nos bastidores dos órgãos de segurança pública.
Como pode ser visto no gráfico Homicídios de Policiais, mostrado abaixo, os números apresentam uma diminuição de 15 homicídios para 11 ocorridos entre agentes de segurança pública que atuam no RN. As ocorrências que envolvem perda ou roubo de armamento demonstram o nível de respeito que os criminosos tem por esses homens, foram mais de 15 situações envolvendo assalto a policiais, inclusive em serviço, com roubo de armas de calibre .40 e outros materiais. Desses assaltos, três ocorreram no Centro Administrativo, nos prédios da SEJUC, da SEDUC e até da SESED, a Secretaria Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, quando o notebook do secretário Aldair da Rocha fora roubado.
Resguardadas as proporções e a atuação, com relação aos homicídios, nenhum oficial foi vítima, somente praças (soldados, cabos e sargentos) da Polícia Militar, sendo 25 soldados, 1 cabo e 2 sargentos. E ainda, como se nota no gráfico Incidência de Homicídios por Função, foram 4 agentes penitenciários no período levantado e 2 agentes de polícia civil.
A diminuição do número de homicídios de agentes encarregados de aplicar a lei, deu lugar a um substancial aumento no número de lesões corporais.
Para legitimar os dados e isentar a pesquisa de tendências, só foram consideradas agressões sofridas por arma de fogo e arma branca, ou seja, nenhuma lesão sofrida por policiais em ocorrências de distúrbio civil (oriundas de manifestantes) e também nenhuma cujo auto de resistência fosse questionável ao ser comparado com as agressões sofridas pelos agressores. Além disso, todo o material coletado foi comprovado nas bases sindicais dos policiais e em informações de associações, blogs, sites jornalísticos, mídias diversas e ainda confirmadas nos óbitos do ITEP.
De apenas uma agressão consubstanciada em 2011, houve um aumento para 9 em 2012 e 16 em 2013, mostrando um aumento da suscetibilidade a lesões por parte de agentes encarregados de aplicar a lei. Mas as condições desfavoráveis de trabalho levaram alguns a tomar atitudes nas quais se percebe a ausência do Estado através do acompanhamento de situações de transtorno de saúde física e mental, e ainda, é sabido que a especialidade médica mais requisitada por policiais que atuam no serviço operacional é a psiquiatria, que segundo a ACS PM RN – Associação dos Cabos e Soldados da PM RN, é objeto de extremo descaso pelas autoridades de saúde da própria Polícia Militar.
Os policiais militares são vítimas da própria falta de estrutura fornecida pelo Governo do Estado, que disponibiliza apenas um psiquiatra para atender um plantel superior a nove mil policiais, sem falar no tratamento extensivo à familiares, que também são afetadas pela mudança comportamental de um agente que necessita de tratamento médico.
Nos poucos casos onde percebem suas necessidades de acompanhamento de saúde mental, ou são aconselhados por amigos que conseguem notar e ter coragem de falar, surge uma grande dificuldade em serem atendidos, pois o centro clinico da PM só consegue marcar, quando o faz, atendimento com 37 dias após a marcação. Enquanto isso, no contínuo trabalho em uma escala sobrecarregada, o desgaste chega a tanto que geram inúmeros encaminhamentos à junta médica para um possivelmente afastamento do trabalho, e essa licença pela falta de saúde mental nem sempre ocorre.
Entre os policiais, a “Síndrome do Super Soldado” atua com uma subcultura de negação de suas necessidades médicas, psiquiátricas e de convívio social fora do círculo de trabalho. A doutrina oriunda dessa síndrome provoca uma vergonha de admitir as necessidades e daí o policial começa a buscar alternativas subterfugiais no consumo excessivo de álcool, no vício da adrenalina e também nas drogas.
As sequelas da falta de acompanhamento e da sobrecarga podem ser vistas em diversos casos onde o policial perde o senso de limite e age além, como no embate de Policiais Militares com o Bloco Baiacu na Vara, onde as falhas primárias foram da falta de condições de lidar com as situações cotidianas.
Abandonados pela administração pública, agentes em uma atividade cujo desgaste é enorme, tem sua atividade mal recompensadas, trabalham com equipamentos vencidos, não obtém respostas para suas demandas e muitas vezes nem são recebidos para negociações, sendo continuamente forçados a obedecerem determinações de gestores que mais se importam com o viés político do que com o bem público, e muitas vezes o bem maior, protegido pela Constituição Federal e por outras leis, que é a vida.
Nessa falta de proteção à vida, extremos dessa situação acontecem e o RN já chegou ao número de 1620 crimes violentos letais e intencionais em 2013 e alguns agentes encarregados de aplicar a lei, chegaram ao extremo de tirarem suas vidas, saindo de nenhuma ocorrência em 2011, passando por 2 em 2012 e atingindo 4 suicídios em 2013.
O descaso com a atividade policial, com os órgão de segurança e com a própria segurança pública é perceptível e totalmente comprovado em dezenas de matérias jornalísticas e estudos feitos por outros especialistas em segurança pública, principalmente evidenciados por nossos escritos.
O caso emblemático do suboficial Marcos Alexandre Moura Tavares, que atirou no comandante do Policiamento Metropolitano, coronel Wellington Alves, levou as autoridades da PM a terem um súbito despertar sobre os problemas psiquiátricos, externando que o suboficial fazia parte do grupo de 151 policiais que estariam afastados, contudo não foi o suficiente para manter o Governo do Estado atento a esse tipo de problema.
Um exemplo disso é a falta de responsabilidade social na transparência de informações fornecidas pelo atual Governo do RN, que provoca erros enormes em trabalhos sérios como o Anuário da Segurança Pública realizado pelo Fórum Brasileiro, onde, à guisa de exemplo, recebeu as informações de que houve somente 3 mortes de agentes de segurança em 2011 e 7 mortes em 2012, mascarando a realidade que nossa pesquisa aponta, pois como já foi apresentado no gráfico Homicídios de Policiais foram 15 homicídios em 2011 e 11 em 2012.

Considerações Finais

A falta de preocupação com a segurança pública em geral tem sido uma constante na administração pública, mas na Administração Ciarlini isso tem sido uma marca registrada.
Essa política de empurrar com a barriga e fazer falsas promessas é uma afronta à inteligência dos potiguares, como as recentes promessas de concurso público para o Corpo de Bombeiros e para o ITEP, sendo que a própria Governadora Rosalba Ciarlini declara reiteradas vezes que não pode nem contratar os policiais civis concursados em 2009 porque estaria ultrapassando os limites prudenciais da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Promessas antigas são esquecidas, inverdades são pregadas e a nau desgovernada que é a segurança pública norte-rio-grandense continua navegando pelas águas escarlates do Rio Grande de Morte, rumo à partes desconhecidas do mapa de insegurança, ultrapassando o território demarcado pelo “hic sunt dracones” e levando vidas ao perecimento, tanto nas corporações policiais quanto no seio da agonizante sociedade potiguar.

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